INTRODUÇÃO
Trichoderma é um gênero de fungos ascomicetos cosmopolitas, incluindo diversas espécies de interesse agrícola que atuam como agentes de controle biológico. Esses fungos podem ser antagonistas diretos de outros microrganismos ou competir com eles, particularmente na rizosfera, moldando a sua composição através dessas interações. Além disso, através da coevolução com as plantas, o Trichoderma desenvolveu a capacidade de trazer uma série de benefícios para elas, o que desencadeou o interesse de pesquisadores acerca de suas aplicações no campo agronômico. Possuem capacidades como organismo promotor de crescimento, indução de mecanismos de resistência a estresses bióticos e abióticos, incluindo a capacidade de ativar memória transcricional relacionada a respostas da planta para estresses futuros. O foco atual é de aprimorar e descobrir ferramentas biotecnológicas que se estabeleçam bem e sejam aceitas pelo mercado. O uso do Trichoderma pode contribuir para uma agricultura mais sustentável, com menor aporte de insumos químicos. Este estudo discute a ecofisiologia e diversidade dos fungos do gênero Trichoderma, apontando seus usos e potenciais agrícolas.
DESENVOLVIMENTO
O gênero Trichoderma apresenta uniformidade morfológica, diversidade nutricional e tem inúmeras espécies. Ao longo da evolução dos hábitos nutricionais e papéis ecológicos, cada transição levou a notáveis aumentos na diversidade de espécies: primeiro, um fungo decompositor; depois, habitante do solo, em busca de alimento vegetal em decomposição (saprófago); em seguida, alimentando-se de outros fungos vivos (micotrofismo); por fim, estabelecendo relações com plantas.
Estudos genéticos demonstram que esses fungos têm constantemente remodelado seu genoma para melhorar a capacidade de competir em novos habitats. Ainda, a micotrofia facilitou sua evolução e interações positivas com as plantas.
Em certo momento na evolução, a presença de presas fúngicas e nutrientes derivados da raiz provavelmente atraíram as espécies de Trichoderma mais oportunistas a colonizarem a rizosfera, enquanto outras espécies se tornaram endofíticas (colonizadores internos das plantas). Assim, foram capazes de interagir e se comunicar com a planta, proporcionando benefícios, principalmente crescimento e proteção, aprendendo a não serem reconhecidos como inimigos.
O oportunismo do Trichoderma é evidenciado pela sua capacidade de colonizar diversos ambientes. A diversidade de substâncias derivadas das raízes é um atrativo para o fungo, que passa a associar-se a elas.
A colonização da rizosfera, além de conferir um mecanismo direto de biocontrole, também traz outros benefícios, como aumento da capacidade fotossintética e a promoção do crescimento, acompanhados por uma maior tolerância a estresses bióticos e abióticos. O fungo pode promover a ativação de sequências de proteínas que conferem tolerância ao frio, calor, oxidação e estresses diversos, além de tornar a planta mais resistente a compostos tóxicos presentes na rizosfera. Algumas linhagens são capazes de solubilizar fosfatos, o que resulta em maior disponibilidade de nutrientes para as plantas e por consequência maior crescimento.
Paradoxalmente, a colonização endofítica por Trichoderma não garante um efeito benéfico correspondente para a planta.
O Trichoderma é um intrépido conquistador de nichos ecológicos, sendo considerado um marcador de solos saudáveis. Ainda, a inoculação de estirpes de Trichoderma no solo modifica as população existentes naquele microbioma, e esse fato vem sendo relacionado, também, com efeito na solubilização de fósforo, resultando em mudanças na comunidade da rizosfera.
Foi observado, também, que a inoculação desses fungos aumentou a quantidade de bactérias benéficas às plantas.
Entretanto, é importante utilizá-los de forma correta.
Verificou-se que algumas linhagens de Trichoderma podem causar patologias em plantas e até mesmo em humanos, o que ressalta a necessidade de que todo produto com microrganismos deve ser testado e certificado de não possuir potenciais negativos para as plantas e para a saúde.
O Trichoderma possui múltiplas funções, como visto, seja como antagonista direto de fitopatógenos, ou no estímulo à planta hospedeira que desencadeia respostas de defesa, indiretamente. Para o biocontrole, sua eficácia para o está extensamente documentada, mas é importante considerar que não são todas as espécies ou linhagens de Trichoderma que possuem essa capacidade, nem funcionam eficientemente em diferentes locais sob diferentes condições ambientais, apresentando variações, inclusive, a depender da cultura e da cultivar onde o produto é aplicado. Linhagens próprias para o biocontrole apresentam certas características especiais como rápido crescimento, boa esporulação, secreção de metabólitos eficientes, etc.
Os mecanismos diretos de biocontrole são cinco, no caso do Trichoderma:
1) parasitismo, em que o fungo age como predador, obtendo nutrientes de sua presa, em especial de outros fungos;
2) antibiose, com secreção de metabólitos secundários que inibem ou limitam organismos competidores, como fungos e bactérias;
3) secreção de enzimas com atividade antagonista, que atuam sobre nematoides e insetos;
4) competição por nichos específicos no solo e na planta;
5) secreção de compostos orgânicos voláteis, que agem sobre outros microrganismos, podendo, inclusive, atrair parasitoides e predadores de insetos.
Já se sabe que os fungos do gênero Trichoderma podem produzir mais de 120 diferentes metabólitos secundários, muitos deles aptos ao uso no biocontrole. Ainda, seu efeito supressivo contra os nematoides das galhas (Meloidogyne spp.) é bem documentada, com eficácia no controle, também, de outros tipos de nematoides.
Indiretamente, o Trichoderma é capaz de estimular de forma duradoura o sistema de defesa da planta hospedeira, o que se conhece como Priming. Ocorre que algumas estruturas nas paredes celulares do fungo são reconhecidas pela planta como Padrões Moleculares Associados a Patógenos (do inglês, MAMPs), o que desencadeia uma resposta intensa do sistema de defesa. Com isso, no futuro a planta responderá mais rapidamente caso seja necessário defender-se de um patógeno, tornando-se mais resistente. Interessantemente, este efeito pode ser passado de forma hereditária.
Mas o Trichoderma vai além no estímulo ao sistema imunológico das plantas. Sua associação com as plantas nos estágios iniciais desencadeia um aumento na produção dos ácidos salicílico e jasmônico, levando à resistência sistêmica adquirida, protegendo a planta contra patógenos biotróficos, necrotróficos e ataques de herbívoros. O fungo pode proteger as raízes do ataque de nematóides. A liberação de compostos orgânicos voláteis pode ser eficiente contra afídeos. As interações do Trichoderma com a planta podem, também, levar à produção de substâncias anti-alimentantes, eficientes conta a herbivoria.
O Trichoderma também atua nas respostas da planta a estresses abióticos, tornando- as mais fortes e adaptáveis às intempéries de seu ambiente. As plantas se tornam mais resistentes à seca e demoram mais para responder ao déficit hídrico. Resistem mais à salinidade, ao calor e ao frio.
CONCLUSÃO
Dado o cenário mundial para a agricultura, que demanda ações mais alinhadas com a saúde dos ecossistemas, os fungos benéficos do gênero Trichoderma parecem participar como uma alternativa biológica ao uso de agroquímicos, representando uma ferramente para a “agricultura sustentável”. O Trichoderma se tornou, assim, componente chave no campo do mercado de insumos biológicos, em especial como agente de biocontrole de fitopatógenos, com 144 produtos registrados globalmente em 2022, com o Brasil como principal fomentador da tecnologia.
O sucesso dos produtos biológicos na agricultura eco-sustentável depende do foco em questões específicas como o aumento da vida de prateleira, e o estabelecimento de padrões de eficácia e qualidade, competitivos frente aos químicos. Os produtos ideais com Trichoderma deverão permitir suas múltiplas ações e benefícios para a agricultura. Para isso, pode-se recorrer, também, ao consórcio de microrganismos no mesmo produto, ou à utilização conjunta de microrganismos e metabólitos isolados.
O nível de tecnologia atual já permite a melhoria de características desejáveis nas linhagens de Trichoderma, bem como a indução de maior produção de metabólitos de interesse. Avanços em biotecnologia permitem uma melhor entrega do produto no campo. Os avanços na área permitem pensar o Trichoderma como um forte aliado na busca por uma agricultura mais sustentável, onde o papel dos microrganismos é proeminente.
AUTORES: MOACIR ANTÔNIO DALLA COSTA e FILHO GABRIEL SCATOLINI BALDIN
Artigo:Woo,S.L.,Hermosa,R.,Lorito,M.etal.Trichoderma:amultipurpose,plant-beneficialmicroorganismforeco-sustainableagriculture.NatRevMicrobiol21,312–326(2023).
DOI:https://doi.org/10.1038/s41579-022-00819-5