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Uma breve história do agronegócio no Brasil – parte 1

Uma breve história do agronegócio no Brasil – parte 1. Da revolução verde a agricultura regenerativa tropical

As melhores universidades brasileiras do século XX, que ofereciam o curso de Agronomia, tinham em comum um lema, que resumia seus objetivos em três palavras: ensino, pesquisa e extensão. A pesquisa gerando o conhecimento, que era transmitido aos alunos através do ensino das diferentes disciplinas. Após a formatura (e mesmo antes, nos estágios), a extensão era a escolha de boa parte dos profissionais formados, como forma de levar os conhecimentos adquiridos até os produtores rurais, melhorando seus processos produtivos. O Agrônomo era também uma espécie de assistente social rural, e a EMATER (com outro nome em alguns estados) exercia importante papel.

 

Até a década de 70, vivíamos em um País cuja maioria da população era rural. A agricultura era, primordialmente, familiar e de subsistência, e o Brasil era importador de alimentos. De lá para cá, vivemos cerca de meio século de intensas mudanças nesse quadro. A população se urbanizou, a revolução verde viabilizou a monocultura em larga escala, o Brasil passou à condição de grande exportador de alimentos.

 

Ao ganhar escala, a produção agrícola brasileira passou a atrair grandes players mundiais da produção de insumos agrícolas. Primeiro essas grandes corporações compraram as fábricas brasileiras de defensivos (sim, existiam!), compraram as centenas de misturadoras de adubos e, em seguida, compraram também as dezenas de indústrias de sementes que existiam aqui. Então começaram a adquirir umas as outras. Com as fusões, restaram meia dúzia de gigantescas companhias, e milhares de produtores dependentes.

 

Esses fatos dos últimos 50 anos, influenciaram profundamente o antigo lema “Ensino, pesquisa e extensão”.  Vejamos como:

No ensino: para o formando em Agronomia, tornou-se muito mais atrativo trabalhar em uma “multinacional” do que na extensão. Por quê? Salários bem melhores, as condições de trabalho (veículos novos, hotéis, restaurantes, glamour e status). Então a universidade de sucesso passou a ser aquela que conseguia colocar a maioria de seus formandos em uma “multinacional”. De outro lado, essas empresas “entraram” para dentro da universidade, financiando pesquisas, fornecendo bolsas e estágios aos alunos. Toda essa influência acabou chegando ao conteúdo das disciplinas. Agricultura de “alta tecnologia” passou a ser aquela que mais dependia do uso de insumos comprados, enquanto funcionalidades naturais do agroecossistema era simplesmente desprezadas.

 

Na pesquisa: a verba do governo para pesquisas foi gradativamente definhando, até chegar a patamares ridículos. Ora, sem dinheiro não há pesquisa; então as universidades e demais instituições de pesquisa, que já possuíam laboratórios e pesquisadores qualificados, obrigaram-se a aceitar o patrocínio das empresas, para poder continuar a pesquisar. Isso foi chamado de parcerias público-privadas. De fato, essas parcerias viabilizaram muitas pesquisas, porém os assuntos pesquisados interessavam muito mais aos seus patrocinadores que as demandas da sociedade. A maior parte das pesquisas desse período, servia para avalizar a necessidade de se usar algum insumo vendido pelos patrocinadores. Também é certo que temos honrosas exceções, protagonizadas por pesquisadores obstinados que, mesmo com poucos recursos, conduziram pesquisas valiosas para a sociedade e especialmente para a produção agrícola.

 

Na extensão: as mudanças ocorridas no Agro brasileiro, nos últimos 50 anos, também influenciaram profundamente a extensão. A enorme legião de agrônomos-vendedores, fez com que os fabricantes de insumos e seus revendedores, passassem a ter uma capilaridade maior no campo que a das empresas de assistência técnica, públicas como a EMATER, ou privadas, como os escritórios de planejamento e/ou de consultoria. Enquanto essas últimas recebiam um orçamento cada vez menor, e tiveram que priorizar o atendimento ao pequeno produtor, que não interessava à indústria, pois comprava pouco, os profissionais das indústrias de insumos eram cada vez mais aparelhados e remunerados. Vale destacar que as cooperativas, apesar desse nome, em sua grande maioria, tornaram-se na verdade apenas grandes revendas de insumos. Poucas se mantiveram fiéis aos ideais cooperativistas.

 

E os produtores? Como se deixaram arrastar por esse estado de coisas? Basicamente eles eram “fisgados” através de quatro principais “fraquezas”:

  1. Pelo ego: as empresas paparicavam os grandes produtores, como se eles fossem estrelas ou celebridades. Eles eram levados a viagens internacionais, a festas e celebrações, onde recebiam prêmios pelas suas altas produtividades. Apareciam na mídia dando depoimentos e sendo apontados como referências nacionais.
  2. Pela desordem financeira: as empresas ofereciam crédito fácil, pagar os insumos só após a colheita, trocar insumos pela produção futura, entre outras facilidades. Isso agradava em cheio aqueles produtores com problemas no fluxo de caixa.
  3. Pelo medo: quando o produtor era resistente em usar tantos insumos, e mostrava-se inclinado a seguir algum caminho alternativo, era de imediato desestimulado pelos agrônomos das empresas, sob o argumento de que seria arriscar todo o investimento feito na lavoura. Afinal, a imagem passada pelas empresas era a de que elas eram “detentoras” do conhecimento de ponta, já que gastavam milhões de dólares em “pesquisas”.
  4. Pela comodidade: a possibilidade de comprar um “pacote” pronto de insumos, de ter um calendário pré-agendado de aplicações e de contar com uma “consultoria” gratuita, era uma grande tentação para os produtores. Eles sempre enfrentaram muitos problemas operacionais, principalmente em virtude da baixíssima qualidade da mão de obra disponível em nosso País. Em muitos casos, também se constatava falta de capacidade administrativa, por parte dos produtores. Então, acabavam por optar pela solução pronta oferecida.

Essa breve história do agronegócio brasileiro, durou pouco mais de 50 anos. Começa então um movimento novo, forte e irreversível, liderado pelos produtores, retomando o protagonismo na produção de alimentos. Entramos na era da ART, a agricultura regenerativa tropical. Mas isso eu vou contar na parte 2. Te espero lá.

Uberaba, 29/12/2023, Antonio N. S. Teixeira, @ibasustentavel @agrolibertas

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