O professor Luís Carlos Pinheiro Machado, das federais do RS e de SC, foi também presidente da EMBRAPA em 1985. Escritor, e estudioso de alto nível da Agronomia, recentemente nos brindou, trazendo até nós um livro de Sir Albert Howard, cujo nome é o mesmo desse artigo que você lê. Coube a tradução, ao professor Eli Lino de Jesus.
Sir Howard foi um pesquisador, extensionista e botânico inglês, autor de diversos livros, que nasceu em 1873 e morreu em 1947. O livro em questão, foi escrito no final da década de trinta, portanto há cerca de oitenta anos atrás. Nessa época, a Índia ainda era uma colônia inglesa, e o senhor Howard era apenas um jovem de 26 anos, quando foi enviado pelo governo inglês, para trabalhos agronômicos nas Índias ocidentais.
Iniciou suas pesquisas agrícolas em 1899, em micologia, especializando-se em doenças de cana e cacau. Foi botânico no Wye College, em Kent, responsável pelos experimentos com lúpulo, pragas e doenças. Foi nomeado botânico econômico do Império Britânico em 1905, para a Índia. Recebeu o Instituto de pesquisa agrícola de Pusa, com 75 acres para produção e experimentos. Em 1910, já havia praticamente eliminado as pragas e doenças daquela fazenda, sem adubos “artificiais”, como ele dizia, e sem pesticidas!
Nosso objetivo, ao ler o livro, foi tentar entender como Sir Howard conseguiu esse feito, que posteriormente foi estendido a diversas propriedades na Índia e também a outros países que copiaram seu modelo. Essa divulgação internacional ocorreu principalmente através dos artigos científicos escritos por Howard. Destacamos “Processo Indore”, publicado no Journal of the Royal Society of Arts (nov/1935), artigo referendado pela Revista Nature (fev/1936).
Pois bem, Sir Howard, já em 1910, propôs os três princípios básicos da sanidade vegetal. São eles:
1. Fungos e insetos não são a causa verdadeira das doenças e dos ataques às culturas, mas apenas, atacam variedades não adaptadas, ou cultivada de forma inadequada.
2. Proteger cultivos através de pulverizações, pode proteger os rendimentos, mas oculta o verdadeiro problema: saber produzir colheitas sãs e fortes.
3. A queima de plantas infectadas, é perda desnecessária de matéria orgânica, pois isso não ocorre na natureza, visto que fungos e insetos vivem livremente.
O espírito científico de Sir Howard, não satisfeito, o fez testar esses princípios no tempo e no espaço. Fez isso por 21 anos e em três locais diferentes! Em Puza (1910 – 1924), Quetta (1910 – 1918) e Indore (1924 a 1931). Em todas as fazendas, obteve total êxito na retirada dos pesticidas e dos adubos “artificiais”, como ele chamava os adubos químicos ou sintéticos.
Em seu livro, O Testamento Agrícola, Sir Albert Howard, faz as seguintes afirmações:
→ “O primeiro princípio de uma agricultura bem-sucedida, é uma correta correlação entre os processos de crescimento e de decomposição. Se acelerarmos o crescimento, temos que acelerar a decomposição.”
→ “A base de um solo fértil e de uma agricultura próspera, é o húmus.”
→ “A associação Micorrízica é a ponte viva de fungos, entre o húmus no solo e a seiva das plantas.”
Para manter e aumentar a quantidade de húmus do solo, o ponto mais importante da fertilidade, Sir Howard criou o que chamou de “Processo Indore”.
Esse processo nada mais era que a conversão dos resíduos animais e vegetais em húmus que, segundo ele, “provocava melhoria considerável na sanidade, tanto vegetal, quanto dos animais, no caso dos sistemas integrados.” Nessa altura, você já deve ter desconfiado no que consistia esse famoso “Processo Indore”… Sim! Nada mais nem menos que um legítimo processo de compostagem microbiano. Quase igual ao que estamos hoje realizando.
O nome Indore, foi uma homenagem que Sir Howard fez à região onde ele primeiro desenvolveu o processo. Dentre as poucas diferenças entre o Processo Indore e a compostagem que fazemos hoje, me chamou a atenção, o fato de que todo esforço era feito para capturar ou armazenas a urina dos animais. Sir Howard dizia que a urina era fundamental no processo, tanto como fonte de Nitrogênio, como para acelerar o processo. Para isso, ele esparramava uma cama de capim picado ou serragem, no local onde os animais passariam a noite.
Depois, durante o dia, recolhia a cama já estercada e levava para a compostagem. Trabalhoso? Certamente; mas parece que compensava, naquela época.
No livro de Sir Albert Howard, estão registrados vários relatos de fazendeiros que obtiveram grande êxito em suas lavouras, utilizando apenas o composto produzido, como adubação. São produtores de café, de cana, algodão, chá, pastagens e hortaliças, entre outras culturas. Em várias regiões do mundo!
Cabe aqui, mais uma frase dele, para meditarmos hoje, que está na página 322 do livro: “O lento envenenamento do solo pelos adubos artificiais é uma das maiores calamidades que tem sido infligidas à agricultura e à humanidade.” Veja o que estamos fazendo até hoje! Nematoides, doenças, compactação do solo… e aplicamos cada vez mais adubos altamente solúveis. Será que a saída é por aí? Ou estamos simplesmente acreditando naquilo que sempre contaram para nós?
Para terminar, transcrevo aqui a interessante conclusão, citada no livro à página 117, do pesquisador Dymond, em 1938, a respeito da adubação orgânica:
“Os adubos artificiais são de fácil aplicação, são facilmente comprados nos bons tempos, ou proibitivos nos maus anos; constituem em um tópico de conversação interminável com os vizinhos; uma fonte de argumentos para os vendedores; são uma obrigação e uma desculpa para nossa consciência; por outro lado, o húmus significa mais trabalho, mais atenção, transporte e alguns problemas. No entanto, o húmus é a base de uma agricultura permanente; os adubos artificiais constituem uma política do “aqui e agora”, do imediatismo, e o amanhã, que se dane”.
Mudou muita coisa, passados oitenta anos dessa declaração?
Sensacional o texto além de atual.