Ao ver um arranjo de flores sobre a mesa, o que podemos sentir?
- Alegria no coração?
- Vontade de cheirá-lo?
- Indiferença?
E após alguns dias ou semanas, quando elas murcham, e as pétalas começam a cair sobre a mesa? Qual seria o sentimento?
Talvez você ainda não tenha pensado nisso, mas ao colhermos uma flor, decretamos, naquele momento, a morte dela. Certamente que, não fosse arrancada, também murcharia um dia.
Suas pétalas irão secar e, uma a uma, cairão no solo, aos pés da planta que a gerou. Aí termina a vida aérea daquela flor. Começa aí mesmo, no entanto, uma outra aventura. Insetos terrestres, besouros, formigas e outros pequenos seres, cortam, picam essas pétalas secas, em pedaços cada vez menores, aumentando a superfície de contato entre elas e o solo.
Se as pétalas caíram em cima da grama, ou de algumas folhas, não há problema. As primeiras chuvas movimentarão os já pequeninos pedaços para baixo, até que encostem no solo. A etapa terrestre da vida dessa flor é então protagonizada por organismos muito menores, invisíveis a olho nu. Actinomicetos e fungos decompositores dão início a etapa microbiana de decomposição.
Açúcares, celulose e outras substâncias originais da flor, são digeridas por esses microrganismos. Em seguida, e até simultaneamente, entram em ação seres ainda menores: as bactérias, para realizar a transformação final do material restante, liberando água e dióxido de carbono. Em todas as fases desse processo, formam-se, de forma dinâmica, novas substâncias orgânicas e elementos minerais são solubilizados na solução do solo.
As plantas, através de suas raízes, participam dessa dinâmica, ora liberando, ora absorvendo essas substâncias e esses elementos. Crescimento vegetativo e decomposição microbiana são as duas metades da mesma roda, que gira, ora em cima, ora em baixo do solo. Metade luz, metade escuro, metade folha, metade raiz, metade visível, metade invisível. O ciclo da vida!
Voltemos às flores sobre a mesa. Para onde irão aquelas pétalas, quando murcharem e caírem? Para o lixo? Viajarão dentro de sacos plásticos, em caminhões, até um aterro sanitário? Juntamente com outros resíduos, farão parte de uma fermentação fétida e azeda?
Bom, sabemos que, no final, tudo (até nossos corpos!) se transformará em solo. Mas….será que aquelas flores não mereciam um destino melhor? Depois de serem arrancadas da planta-mãe, usadas para alegrar corações, perfumar e decorar ambientes, bem que poderiam ser descartadas de um modo melhor.
Darei algumas sugestões:
1ª) Se as flores eram de seu jardim, ou de algum vaso; ao secarem, simplesmente as coloque ao pé da planta que as originou.
2ª) Se comprou as flores, descarte-as também em seu jardim, ou em algum vaso, para que completem seu ciclo, mesmo que seja em outras terras, que não aquelas que a geraram.
Sei que comprar as flores é bem mais prático, mas gostaria que considerasse, de vez em quando, levar um vaso florido. Além de, provavelmente as flores durarem mais, haverá a possibilidade de transferir a planta, em definitivo, para o solo. Isso daria a ela um pouco mais de autonomia, uma menor dependência de nós.
Por falar nisso, quero falar um pouco sobre dependência. Ao colhermos as flores de uma planta, trazemos para casa a sua maior obra de arte. Você pode achar até estranho, mas, para mim, isso de certa forma, se parece com o ato de prender um passarinho em uma gaiola. Aprisionamos seu canto, suas cores, aquilo que tem de mais belo, e trazemos para nossa casa.
Talvez seria melhor deixar flores e pássaros livres, na natureza. Acredito que são um convite, que ela nos faz, para irmos “lá fora”, no jardim, na praça, no campo. A natureza, em sua infinita sabedoria, sabe que somos parte dela, que precisamos desse convívio, se quisermos ser mais felizes, completos, equilibrados.
Sempre teremos, é certo, a liberdade da escolha, mas a natureza nos mostra, a todo tempo, seus limites, se quisermos dar continuidade à nossa existência, enquanto sociedade humana. Ao plantarmos flores no jardim, ao invés de cortá-las e levá-las para casa, damos-lhe uma maior autonomia. Podem explorar um maior volume de solo, receber as chuvas diretamente, interagir com os microrganismos do solo.
De forma análoga, quanto mais perto mantemos as pessoas (já grandes!) que amamos, mais dependentes de nós elas se tornam. Ao desvincularmos nosso amor da necessidade de possuir o objeto ou o ente querido, damos um grande passo rumo à liberdade. Nossa e de quem amamos.
De vez em quando, talvez devêssemos presentear as pessoas com sementes. Assim teriam a liberdade de plantá-las onde e quando quisessem. Exercitariam mais o cuidar e o esperar. Aprenderiam mais sobre os ciclos da vida. Se encantariam mais com os processos e os caminhos. E….isso talvez faria diminuir nelas a ansiedade pelas chegadas…
Antonio N. S. Teixeira
Diretor Executivo – IBA